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O que aprendi trabalhando quatro meses na publicidade

Isso é o mais próximo de um post motivacional que essa newsletter vai te oferecer

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Marie Declercq
Apr 02, 2025
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Eu não vou comer bosta1

o que eu realmente odeio, eu não vou comer; o que eu odeio é bosta, e eu não vou comer bosta. Não vou consumir bosta. Não vou experimentar bosta. Não vou deixar que a bosta chegue perto dos meus dedos. Não vou relar o braço na bosta, e não vou encostar nela nem com a ponta do pé.

“Você vai viver do quê,” dizem para mim os poderosos, “se não vai comer bosta? O que você vai comer neste lugar para onde desceu?”
“Vou me fartar daquilo que sempre foi nosso.”
“Onde você vai comer essa comida, isso que você afirma que já é seu? Onde vai sequer achar um imóvel para poder comer essa comida, você que na sua outra vida não conseguia pagar nem uma quitinete no centro?” dizem para mim os poderosos.

Desde a minha demissão em abril de 2024, a minha vida profissional entrou no modo aleatório. Fiz inúmeros frilas e aceitei a trabalhar com coisas fora do âmbito jornalístico. Trabalhei com política e isso abriu me introduziu a um universo mais ou menos conhecido, pois culttivava um contato mais ou menos próximo quando trabalhava na Vice Brasil: a publicidade.

Meu interesse pelo mercado publicitário sempre foi pífio. Talvez tenha considerado seguir essa carreira durante algumas semanas na época do colegial, mas nunca almejei algo nessa área, como almejava ser criminalista ou repórter de revista de mulher pelada. Vamos ser sinceros também: Jornalismo, Direito e Publicidade costumam ser cursos bastante recomendados para adolescentes sem grandes talentos, exceto colocar todos os pensamentos angustiados em cadernos pautados.

Quando entrei na Vice, tínhamos a parte editorial, onde eu trabalhei seis anos. Era a Redação. Nós até fazíamos os chamados “conteúdos patrocinados”, mas o foco central era produzir reportagens legais para servirem como uma vitrine para marcas terem vontade de vincular um produto à linguagem da Vice. (Sim, era muito cool na época.) A outra parte, esta mais comercial, funcionava como um agência de publicidade com criativo, atendimento, etc. Por sorte ou azar, por mais que a gente dividisse o mesmo prédio e tomássemos cerveja juntos, nunca trabalhei diretamente nesse departamento.

Ou seja, entendo mais ou menos os problemas rotineiros de uma agência publicitária e também aprendi a emular um pouco a linguagem desse meio. Para falar a verdade, tudo sempre me pareceu um pesadelo sem fim, pois só ouvia histórias de trabalhar até de madrugada (e ganhar pizza de compensação) e relatos coloridos de assédio moral disfarçados de “esse cara é um gênio, mas é difícil”.

Acima de tudo, essa área, onde bilhões de reais são injetados todo ano para pagar uma cadeia de trabalhadores, é inútil. É a essência do que o David Graeber define como Bullshit Job no livro homônimo publicado em 2018.

Um Bullshit job é um termo difícil de traduzir, porque ele não é a mesma coisa do que um trabalho de merda. Trabalho de merda são normalmente aqueles onde se ganha pouco e se trabalha demais.

Um bullshit job pode ser tudo isso, mas nem sempre. Segundo Graeber, um bullshit job é definitivo por um função sem sentido, desnecessária e emaranhada em complexidades igualmente inúteis a ponto do trabalhador não conseguir explicar exatamente a função daquilo. Pense em assistentes executivo, recepcionistas, telemarketing, advogados corporativos. No entanto, lá no fundo, todo mundo sabe da farsa.

Quando li parte do livro de Graeber, tive dificuldade para entender exatamente o que ele estava querendo dizer. Como um trabalho que paga relativamente bem e exige dedicação constante possa ser considerado inútil?

Quando aceitei um emprego como redatora em uma agência, entendi tudo. Salário ok, home office, o chefe foi simpático na entrevista, um cliente só e tarefas de baixa complexidade. Completamente inútil e, veja só, exigente. Mas exigente emocionalmente.

Quatro meses depois, me encontrei em uma reunião virtual ouvindo o mesmo chefe simpático aos berros comigo e um colega de trabalho por motivo nenhum.

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